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A força nasce sempre em nossas fraquezas

Um pouco da minha história de vida


por: Bárbaro Xavier


Foto de formatura em Jornalismo - Bárbaro Xavier e Marcones Olivier

Por que ser ator? Foi tardiamente. Poderia ser antes, se antes de brotar em mim o desejo de seguir na carreira, existisse alguém que me motivasse a ser. Pra quem vem da periferia, do mapa da fome, que tem a falta de algo e alguém para  orientar, esse talvez seja o maior problema de ter uma estrutura para desenhar na mente uma vocação. 


Se fosse pela visão da minha mãe, uma mulher simples, que só estudou até a terceira série do primário, a minha maior vocação seria sair da cidade de Bom Jesus, e vir para São Paulo ser porteiro de condomínio da Zona Sul. Eu falo aqui sobre visão de mundo e autoestima. Minha mãe era diarista em Natal, e vinha aos finais de semana para a nossa cidade, de pouco mais de 10 mil habitantes. 


O que ela via como sucesso na vida, vinha das notícias dos meus primos que, trabalhando em São Paulo, mandavam ajuda para as mães: roupas doadas e juntavam dinheiro para comprar uma moto ou carro usado. Eles tinham o sonho de voltar para a terrinha e construir uma casa, viver de algo que poderia ser o se ganha pão: abrir um mercadinho, uma oficina de motos, um bar ou lanchonete. 


Creio eu que isso fez ela querer sair daquele pequeno universo e logo nos mudar para Natal, uma cidade que para aquela realidade era gigante. Os desafios eram os menores: ter onde morar. De quase um barraco, onde não se tinha onde defecar, a não ser em sacos jogados em um terreno baldio ao lado. Não se tinha banheiro para tal necessidade básica e urgente, se tinha apenas sonhos triviais e igualmente urgentes: não passar fome e ter o que pensar para um futuro que também era urgente.


Meu pai não entra nesta história até aqui, porque ele se separou da minha mãe quando eu tinha apenas três anos e tomava conta de um sítio de minha tia, que por muitos anos trabalhando em São Paulo, tinha comprado a duras penas. Nas férias escolares, eu o via. Meu pai era o sinônimo de vida com solidão.


Minha mãe segurava a barra, sempre foi “batalhadeira”, era como chamavam lá na cidade a mulher que se separava e tomava conta, a ferro e fogo, as rédeas árduas, que cortavam as mãos de tanta força que fazia ao lavar roupa para fora…


Em um cenário tão difícil, em que não se pensa no supérfluo, apenas no que vem antes, e depois do almoço, a gente fica incapacitado de sonhar no que vinha além das 24 horas do dia. Os sonhos de “ser alguém na vida” era mais banalizado no que a gente não queria ser: um ser que tem o que comer. 


Parece ridículo, mas quem tem medo da fome,  pensar em algo além desse medo, é difícil mesmo de se imaginar. 


O menino que aprendeu a assistir o Jornal Nacional, ao invés das Chiquititas, também tem a ver com a falta de tempo para sonhar em ser, o que no íntimo,  o que quer ser.


Se me perguntam: o que você sempre sonhou em ser? eu diria que não pensava em ser ator. A dureza da vida me fez pensar primeiro em ser jornalista. Aquela ação de mostrar a vida, o social, seria urgente, era o factual que gritava na minha porta e me pedia rapidez para socorrer. 


Assistia às novelas, filmes e pensava: que dom, que talento. Era só o que pensava. As atuações me convenciam do dom. Uma criança que tinha que pensar na pressão da realidade que está a espreita, pensava sempre em estudar. Alguém que eu ouvia atento, sempre que vinha passar os finais de semana com a gente, era os recados que ela ouvia da casa dos patrões: "estude, esse é o caminho". Do  jeito que deu, minha irmã ouviu o recado e estudou até onde pôde, em meio aos seus próprios desafios. Mas como um telefone sem fio, isso ressoava em mim como um mantra a se seguir, sem pestanejar ou esmorecer. Serviu muito aqueles recados vindo do alto, de uma família típica da classe média natalense, que conseguiu formar médicos, e tinha minha irmã como “filha”, para acabar de criar e ajudar nos fazeres domésticos. Ela tinha apenas sete anos quando foi ser “filha” da classe média natalense. 


Sonhar em ser ator, nem pensar! A crença enraizada era que para sê-lo teria que ter dom. Julgava não ter. Entre outras crenças, na periferia, quem é ator: “dá pra ser preguiçoso quando cresce ou coisa ruim”. Nisso tudo, fazer uma faculdade de teatro, era algo muito distante, coisa de gente rica. Esse véu já encobria essa possibilidade. 


Se você me perguntar a profissão que mais admiro, diria sem pensar: professor. 

O professor é um farol colocado em meio ao escuro mundo da ignorância. Ele nos abre os ouvidos, bota uma lousa “portal” na frente, tira a venda dos olhos  e abre mundos e universos. 


Um professor da quinta, série me mostrou “Sonho de uma noite de verão”, e o mundo e a picadinha nasceu ali, naquele instante, mas ainda muito, mas muito distante de uma possível realidade. Tinha que ter sonho no título, Shakespeare? Esse professor era um Eugênio.



Falei da visão que minha mãe tinha sobre o meu futuro… Ela morreu, vítima de um AVC, aos 46 anos, e eu me perdi em mim aos 10 anos. 


Depois disso muita coisa se desconstruiu em minha mente. E a realidade de novo bateu com força na minha porta e eu tive que ser gente logo cedo. Aos 11 já estava trabalhando em um mercadinho e já lhe dava com os efeitos que um abuso sexual causa em uma família. A puberdade me mostrava os desafios da sexualidade, me descobria gay.  Aos 15 iniciava o que minha mãe tinha pensado para mim: zelador de prédio, da classe média natalense. 


O que não me deixou nunca cair neste lago da sobrevivência parecia ser aquela voz que ouvi antes: "estude, estude sempre!"


Aos 18 anos, e o ensino médio que se iniciava, veio o meu primeiro emprego com carteira assinada. Um misto de alegria, por ter pouco mais de 300 reais mensais, e a alegria de poder pagar as conduções extras para a ida e volta da escola à noite.  Acordava às 4h da manhã, para limpar os banheiros do Natal Shopping, ia dormir após a meia noite, depois das aulas difíceis de física da professora Gilda, pesava pouco mais de 49 quilos. 


Um pacto comigo mesmo, ao receber meu primeiro salário foi de não se fazer desistir. E desde o primeiro dia, firmei em estudar. Terminei o Ensino Médio e achei uma vocação: O jornalismo. 

Fiz um cursinho baratinho, era 40 reais por uns dois meses, e aí tinha a última edição do vestibular da UFRN. Não passei… Me inscrevi no PROUNI,  ganhei uma bolsa de 100% na UnP. 


Foi um dos dias mais felizes da minha vida. Um mix “de não acredito” com um suspiro bem fundo, vontade de rir e chorar por não ter minha mãe para abraçar. 


Um pouco antes disso, a professora Ana Francisca me mostrou um teatro. O Alberto Maranhão. Naquele momento, algo mudou em mim. A rota estava indo, mas algo tinha me puxado por outra corda. A coxia era agradável e eu não sabia. Alguns anos depois, voltaria a encontrar a xará novamente, a Francisca, e aí fincaria de vez a vontade de fazer teatro. 


E de teatro, a cinema, foi um pulo  bem curto e certeiro. Paixões se fixaram como morada ao lado de um rio corrente. 


Me dá vontade de falar, com isso, de sonho, atrelado a crenças, atrelado a desafios, atrelado a fome, atrelado a incertezas da vida. 


Tenha sempre a certeza que você nunca irá ter certeza de nada. Elas podem surgir ao passo que pessoas passam por sua vida. Eu diria que essas pessoas são os nossos mestres. Eles falam coisas que nos batem lá no fundo de uma ignorância  que nós temos, mas que no exato eixo e momento, nos redirecionam para uma profunda descoberta de nós mesmos. 


A vida é mais sobre incertezas do que certeza. Mas o que você faz com sua certeza do agora, é o que faz toda a diferença nas certezas que virão depois. 


O que desejo é que você tenha sempre o que comer no almoço, no jantar e principalmente no café da manhã. Porque já acordei  tarde e não tinha o que comer.  O primeiro alimento sagrado de pão e margarina era para os meus irmãos que acordavam mais cedo e iam trabalhar. Eu ficava em casa e entendia que aquilo não era só o justo, mas o necessário. 


Já tive um encontro com a inveja, e por lição de vida, ela não me ajudou em nada. O vizinho tinha um real na mão e voltava com o saco cheio de pães. Eu ia comprar pão com um cuidado danado para não perder 50 centavos, e voltava com 10 pães no saco. Essa era uma felicidade que marcava a infância de uma criança que amava correr para comprar pão na rua Belarmino.



Agradeço do fundo do meu coração aos meus irmãos, a minha mãe pelo imenso esforço em fazer essa vida acontecer. Ao meu pai, que com sua difícil vida solitária, também se abriu para viver em família de 4 e mais um filho primogênito. E ser uma vida boa, na medida do possível ou sofrível. Eles foram os sobreviventes desse mundo cão. Tem irmão que é mais que um pai, tem pai que é mais que um irmão. 


Essas coisas fazem diferença em nossa história. A força nasce sempre em nossas fraquezas. 









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